CRO-RN apoia criação de Associação de Pais e Amigos dos Fissurados do RN
Com o fechamento em 2013 do setor que atendia pacientes com fissuras no lábio e no palato no Hospital de Pediatria (HOSPED) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Petrópolis, as crianças e mesmo adultos nascidos com fissuras no Estado ficaram sem uma referência para atendimento. Diante deste quadro, um grupo de abnegados profissionais da saúde e amigos dos fissurados está mobilizado para criar a Associação de Pais e Amigos dos Fissurados do Rio Grande do Norte (APAFIS-RN).
Na sexta-feira, 15 de janeiro, no Conselho Regional de Odontologia do RN (CRO-RN), o grupo se reuniu com o presidente da autarquia, Gláucio de Morais e Silva, onde foi dado o primeiro passo para a criação da APAFIS-RN.
Segundo um dos idealizadores da associação, o cirurgião-dentista Rubens Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Fissuras Palatinas do RN, “há 10 anos abnegados profissionais e amigos dos fissurados lutam pela criação de uma unidade de referência para atendimento a esses pacientes no Estado”, sem sucesso.
Agora, com o apoio do presidente do CRO-RN e com uma ação de engajamento da sociedade, a luta será pela criação da APAFIS-RN como uma instituição, e, a partir dela, pressionar o governo do Estado e as prefeituras para que se unam na criação de um centrinho nos moldes do de Bauru e de Joinville, onde os pacientes são atendidos com dignidade e fazem todo o tratamento, incluindo as cirurgias reparadoras.
INCIDÊNCIA DA ANOMALIA
“A APAFIS-RN será criada para ajudar os pacientes nesse tratamento que é longo, em média, são 18 anos, desde o nascimento até a total reabilitação, dando assim as condições para que esta pessoa seja inserida socialmente e no mercado de trabalho em igualdade de condições”, explica Azevedo.
Segundo ele, a incidência de casos de fissuras é quase o dobro do que ocorre, por exemplo, na Síndrome de Down. “Em cada 650 nascimentos, há 1 caso de fissura ou fenda labial e/ou palatina, enquanto na Síndrome, há um caso para 1.000 nascidos vivos”, diz o cirurgião-dentista.
O Rio Grande do Norte é um dos estados com a maior incidência dessa anomalia crânio-facial em comparação com outras regiões do país, acrescenta Azevedo.
Atualmente, segundo levantamento da ONG Operação Sorriso, que realiza mutirão de cirurgias reabilitadoras, quando o HOSPED fechou suas portas para estes pacientes haviam mais de 300 fissurados a espera de um procedimento curúrgico. No Estado todo, calcula-se que existem hoje mais 2.000 pacientes a espera de tratamento.
Atualmente, não há nenhuma instituição fazendo o acompanhamento de novos casos dessa anomalia no Estado.
Para o tratamento que deve ser iniciado aos três meses de idade, uma equipe multidisciplinar se faz necessária, envolvendo profissionais de saúde como cirurgiões-dentistas, médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos e assistentes sociais.
Sem o devido tratamento iniciado ainda nos primeiros meses de vida do bebê, as fissuras podem provocar a perda da audição, problemas de fala e nutricional, bem como provocar o isolamento do paciente, criando problemas emocionais diante da sua rejeição pela família e até pelos vizinhos. A falta de informações sobre a anomalia leva ao preconceito.
APOIO DO CRO-RN E DA ACADEMIA
O presidente do CRO-RN, além de dar apoio à causa destes pacientes, colocou a estrutura do conselho para as reuniões de fundação da associação e também para a realização de eventos com foco na reabilitação desses fissurados e na sensibilização de prefeitos e do governo do Estado para os problemas enfrentados pelas suas famílias.
Participaram da reunião no CRO-RN o presidente da Associação Brasileira de Fissuras Palatinas do RN, Rubens Azevedo, o assistente social Matias Verzutti, o ex-paciente de fissura, Siderley Jatobá, de Currais Novos, o jornalista Roberto Cardoso, o poeta popular Emmanoel Iohanan, o pai de um menino de três meses que nasceu com fissura labial, Edivam Silva, além do jornalista Paulo Francisco, assessor de Imprensa do Conselho.
Além do CRO-RN, a Academia Norte Rio-grandense de Odontologia também se engajou nessa luta pela criação da APAFIS-RN.
No dia 11 de janeiro, a presidente da Academia, Moema Barreto, a diretora do Museu e Biblioteca, Yara Silva e sua adjunta, Elza Macedo, a diretora Social, Terezinha Galvão e sua adjunta, Maria Auxiliadora Nezi, estiveram reunidos com o presidente da Associação Brasileira de Fissuras Palatina, Rubens Azevedo, e convidados, Edivan Silva, a cirurgiã-dentista Suily Alencar, lotada no CRI, jornalista Roberto Cardoso e Emmanoel Iohanan, amigo de fissurado.
Segundo Rubens Azevedo, estas reuniões estão sendo realizadas no intuito de angariar entidades e pessoas para a luta dos fissurados.
ABANDONO DOS FISSURADOS
Ex-paciente, Siderley Jatobá, que nasceu com fissura no lábio e fez suas cirurgias no Centrinho de Bauru, deu um depoimento emocionado dos problemas que as famílias com fissurados enfrentam com o fechamento desde 2013 do setor de Fissurados do Hospital de Pediatria da UFRN.
Segundo ele, quando existia o atendimento pelo HOSPED, ainda orientava as famílias para procurar aquele hospital para dar inicio ao tratamento das crianças. “Depois que a UFRN fechou o serviço sem explicação alguma, as crianças que nascem com o problema ficaram sem uma referência para iniciar o tratamento”, afirma Siderley, diretor de operações da Sidy’s TV a Cabo de Currais Novos.
Jatobá faz um trabalho voluntário de orientação às famílias que têm crianças com fissuras, mas confessa que enfrenta limitações diante da falta de estrutura para se deslocar pelos municípios do Seridó para ajudar os pacientes. Segundo ele, estas crianças são discriminadas e até escondidas pelos pais diante da anomalia.
Para ajudar estas crianças a serem aceitas pelas famílias, Jatobá fez até um banner com uma foto dele quando criança com o problema no lábio para mostrar que é possível fazer o tratamento e voltar ao convívio social.
“Eu só recentemente mandei buscar minhas fotos de criança com a fissura para poder mostrar as famílias que enfrentam o problema que a anomalia pode ser tratada a partir do momento que se procura ajuda“, diz o Jatobá, hoje adulto, pai de uma menina adolescente, que nasceu sem qualquer problema. Ele fez o tratamento no Centrinho de Bauru, SP.
Ao saber que o garoto Elizaldo Alves, de São Vicente, que também teve lábio fissurado na infância, passou para a segunda fase do The Voice Kids, Jatobá mandou esta mensagem para o garoto pelo Facebook:
“Para quem enfrentou todo um contexto de vida com o seu problema de fissura labiopalatina, que não é fácil (eu sei bem de mais porque vivi), isso é digno de vitória. Graças a Deus ele é um bom menino, abençoado e merecedor de suas conquistas”, escreveu Jatobá.
O presidente da Associação Brasileira de Fissuras Palatinas do RN explica que a APAFIS tem como principal objetivo assistir o fissurado no tratamento e integrá-lo à sociedade, através de sua aceitação social e da divulgação dessa anomalia na comunidade, mediante cursos, publicações e outros meios de mídias.
A APAFIS/RN também pretende promover a criação de uma casa de apoio em Natal para abrigar os fissurados e seus familiares durante os exames e tratamentos. As famílias mais pobres sofrem com os casos da anomalia, já que o tratamento é longo e caro, caso fosse realizado de forma particular.
"A associação é uma instituição de caráter assistencial, beneficente, sem fins lucrativos, que objetiva desenvolver programas de amparo, ajuda, adaptação e integração social do paciente portador de fissura/fenda labial e/ou palatina", explica Azevedo.
POUCO CASO DOS GOVERNANTES
Segundo ele, em 2012, o Juiz da 3ª. Vara da Infância e da Juventude de Natal, Homero Lechner de Albuquerque, julgou procedente o pedido do Ministério Público e condenou o Estado e o Município de Natal a formalizarem e implementarem, no prazo de 6 meses, o Centro de Atendimento de Paciente Fissurado do RN, nos termos do Plano Estadual da Rede de Assistência em Fissura Lábio-Palatal.
Passados três anos, até agora, nada foi feito, o que tem deixado o presidente da Associação Brasileira de Fissuras Palatinas meio frustrado, porém agora esperançoso que a união de profissionais da saúde, pais e amigos dos fissurados mude esta realidade no Estado.
Diante dessa inércia da Justiça e dos gestores para com os problemas dos fissurados do RN, o doutor Rubens espera que com a Associação dos Pais e Amigos dos Fissurados seja possível pressionar as autoridades para que algo seja feito de concreto.
O presidente do CRO-RN já está solicitando aos secretários de Saúde do Estado e do município de Natal audiências para saber as razões que as duas esferas de governos não cumpriram a determinação da Justiça para a criação do Centro de Atendimento de Paciente Fissurado do Rio Grande do Norte.
Segundo Gláucio de Morais, nestas audiências pretende levar os representantes da Associação de Pais e Amigos dos Fissurados do RN para que os secretários de Saúde possam se sensibilizar pela causa e atender a esta reivindicação legitima dos pacientes que sofrem com a omissão do poder público.
Em junho do ano passado, a secretária do Trabalho e Assistência Social (Sethas), Julianne Faria, recebeu o presidente da Associação dos Fissurados do RN, a cirurgiã-dentista Suily da Rocha Alencar Stregapede, a diretora Técnica do CRI, Marilene Soares da Silva, e as enfermeiras Sílvia Natch e Rogéria Abrantes, da Secretaria Estadual de Saúde, voluntárias da ONG Operação Sorriso, e deu seu apoio à criação do Centrinho de Natal, que inicialmente poderia iniciar suas atividades no CRI (Centro de Reabilitação Infantil), no Tirol.
Em maio de 2015, os diversos profissionais da saúde envolvidos no tratamento dos fissurados, como cirurgiões-dentistas, médicos, fonoaudiólogos, enfermeiros, psicólogos e outros, realizaram debates para discutir a situação dos pacientes no Estado, mas de concreto não viram nada sair da gestão estadual e municipal de Natal.
CRIAÇÃO DA APAFIS-RN
No próximo dia 15 de fevereiro tem reunião no CRO-RN, a partir das 16 horas, para dar continuidade a esta luta de criação da APAFIS e também do Centro de Atendimentos aos Fissurados do Rio Grande do Norte. Segundo Azevedo, a nova reunião visa preparar a Assembleia Geral a ser realizada no dia 22 fevereiro, também no Conselho de Odontologia, a partir das 19 horas, para eleição e posse da Diretoria que começará a trabalhar para mudar a realidade atual dos fissurados no Estado.
Os profissionais de saúde já reunidos anteriormente dizem que o CRI, agora batizado de Centro Especializado em Reabilitação (CER), unidade de referência estadual para o tratamento de pessoas com deficiência física, intelectual e auditiva, é o local hoje mais indicado para a implantação do tão sonhado Centrinho de Fissurados do RN.
O CER, localizado na Av. Alexandrino de Alencar, em Natal, conta atualmente com vários profissionais de saúde envolvidos na reabilitação de fissurados, como dentistas, fonoaudiólogos, psicólogos, enfermeiros, nutricionistas e outros.
As cirurgias necessárias para a reabilitação total dos fissurados, segundo o doutor Rubens, podem ser realizadas em hospitais conveniados, que possuem centros cirúrgicos.
“O ideal seria ter um centro com todos os atendimentos necessários ao longo dos 18 anos de tratamento de um fissurado, incluindo o centro cirúrgico, como acontece com o Centrinho de Bauru, SP, ligado a USP (Universidade de São Paulo), referência nacional, mas se conseguirmos num primeiro momento consolidar o nosso ‘centrinho’, já estaremos dando um grande passo para tirarmos nossas crianças do abandono que elas vivem hoje”, diz Azevedo.
“A APAFIS-RN vai ao prefeito Carlos Eduardo e ao governador Robinson Faria para pedir a união deles por uma boa causa”, diz o presidente da Associação Brasileira de Fissuras Palatinas do RN, que convida profissionais da saúde e pessoas sensíveis a participarem das reuniões para a consolidação da associação.
A ANOMALIA
A fissura labiopalatal, também conhecido como lábio leporino ou fenda palatina, é uma abertura na região do lábio ou palato, segundo os cirurgiões-dentistas, que resulta do não fechamento dessas regiões entre a quarta e a décima semana de gestação do bebê.
Atualmente, a anomalia é tratada como fissura labiopalatal e não mais chamada de lábio leporino, que era uma referência à semelhança com o focinho de uma lebre.
Os tipos de fissuras são unilaterais, que atingem somente um lado do lábio, ou bilaterais, ou seja, com fendas dos dois lados do lábio, ou completas (lábio e o palato), ou incompletas, atingindo apenas uma dessas regiões. E existem as atípicas, que variam de formas mais leves a até as mais graves, como as fissuras amplas de lábio e palato.