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Como a Odontologia reabitou oralmente um Grilo?

Como a Odontologia reabitou oralmente um Grilo?
Doutor Givaldo com Pedro Grilo e o amigo Múcio

A homenagem do Espaço Remido e do Sarauterapia do CRO-RN é para o artista visual, poeta e boêmio Pedro Grilo Neto, que era figura constante no sarau do Conselho, com o seu inconfundível terno e calça branca e seu chapéu sombreiro e sua barba branca. Grilo partiu recentemente desse plano terreno.

No dia 22 de abril deste ano, uma sexta-feira, o jornal Tribunal do Norte, por meio de seu portal na internet, noticiava que “morreu sexta-feira, aos 86 anos, o poeta e artista visual Pedro Grilo”.

E no texto dizia que nas palavras de que o conheceu bem, como Abimael Silva, fundador da editora Sebo Vermelho, na Cidade Alta, que conhece e vive a cultura da cidade, Pedro Grilo foi uma das pessoas mais originais que Natal já viu nascer.

Este jornalista e assessor de Imprensa do CRO-RN, conhecia Pedro Grilo desde o início dos anos 90, quando deparou com aquela figura original a circular pela região do centro com o seu inconfundível chapelão à moda mexicana e seu cajado à moda Antônio Conselheiro, de Canudos, e outros personagens bíblicos.

Eu via Pedro Grilo circular nas cercanias do poder, na região do Palácio Potengi, da Prefeitura, da Assembleia Legislativa e do Judiciário, e também da boêmia do Beco da Lama, passando pela Rua Princesa Isabel, parando no Grande Ponto Café São Luiz, tradicional local de encontro de velhos amigos, intelectuais, artistas, políticos e jornalistas.

Aberto em 1953, o café tinha um público fiel, que ia degustar os quitutes e o delicioso café, além é claro, jogar conversa fora e debater os grandes temas políticos, econômicos e futebolísticos da cidade, do Estado, do Brasil e até mundial. E Pedro Grilo com seu chapéu sombreiro e cajado se destacava no Grande Ponto.

Pedro Grilo era uma figura ímpar que voltei a me encontrar no Sarau Lítero-Musical do CRO-RN, em 2006, quando assumi a assessoria de Imprensa do Conselho.

Nas noites de quartas-feiras, quando eu ia cobrir o evento comandado pelo cirurgião-dentista Rubens Azevedo, que nos dias atuais continua à frente do seu Sarauterapia, com o batizou posteriormente, me deparava com aquela figura sentada no auditório, uma espécie de entidade, respeitada pelos seus amigos poetas populares.

Artista visual, pintava telas e também abria letras em faixas e paredes. Boêmio e poeta popular, ocupava a cadeira 35 da Academia de Trovas do Rio Grande do Norte. Grilo integrava a União Brasileira de Trovadores e a Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do RN, parceira do CRO-RN na realização do Sarau no seu auditório.

Grilo era presença constante no Sarau, no seu traje inconfundível de calça e terno branco, geralmente sobre uma camisa de cor, vermelha ou azul, suas cores preferidas. Seu chapéu sombreiro e o cajado ficavam depositados ao lado de sua cadeira. Ouvia seus colegas poetas e também participava declamando seu poemas e cantando. Gostava muito de cantar Granada, Amapola e outras cancções.

Abimael na reportagem da Tribuna do Norte diz que a poesia de Grilo “não tinha floreios, era venenosa como as cobras que se encontram no Instituto Butantam".

Pedro Grilo para sobreviver desde a adolescência era pintor de faixas publicitárias, de paredes de prédios comerciais, era cartazista, abridor de letras, que dominava a técnica de abrir letras garrafais.

Uma certa vez fui fazer uma entrevista com ele na sua casa, na rua Guanabara, 542, no bairro de Mãe Luíza, quando ele falou de seu amor pelas artes. Era um homem simples, uma alma boa, que fazia muitos amigos.

O poeta nasceu no dia 30 de setembro de 1936 em Natal, no ambulatório da Maternidade Januário Cicco, no antigo hospital Miguel Couto da Balustrada, hoje hospital Universitário Onofre Lopes,  passou um período da infância morando em Goianinha com a avó e depois retornou a capital potiguar. Morou no Areal nas Rocas e em Mãe Luiza.

“O meu estilo é próprio, porque eu sou autodidata. Eu não andei em escola nenhuma de arte, eu apenas sou curioso e desenhava em bico de pena os personagens da história do Brasil. Aí fui tomando gosto, tomando gosto, ai passei a colorir, ai tomando gosto, pronto, ai aprendi a pintar sozinho, isso eu tinha 10 anos, meu pai era funcionário do Detran’, conta Grilo.

Ele lembra com saudade que aprendeu a abrir letras vendo a letra bonita do pai que escrevia em embalagens de produtos que pedia para ir buscar  na cantina do Detran. E a partir daí começou a abrir letras e as desenhar nas paredes e fachadas das lojas, passando a ganhar dinheiro pelo ofício. E comprou um livro de letras com o alfabeto do mundo inteiro. “Aí me estribei, passei a ganhar dinheiro”, lembra Grilo.

O pai ainda tentou que o menino Grilo fosse estudar e o matriculou numa escolha de admissão do professor Clementino Câmara. Mas Grilo vendo que o pai tirava uma boa quantia do salário para pagar a mensalidade do curso, resolveu deixar a escola para ir trabalhar e assim ajudar a família.

POESIA AO PAI

Abandonou os estudos após cursar o primário e foi trabalhar. A poesia descobriu aos 15 anos e começou a escrever seus poemas. Numa poesia dedicado ao pai, escreveu:

Choraria a noite e dia para ter de volta papai

Chorando eu traria meu pai de novo a vida,

Toda minha dor sentida, dia e noite choraria,

Então eu destilaria em cada lagrima um aí.  

Meu coração se contrai de profunda nostalgia.

Oh, quanto choraria para ter de volta papai.

Grilo foi idealizador do jornal alternativo mensal, O Pitiguari, no qual publicava suas trovas e de outros autores. Em 2000, lançou seu livro “Mel e Cicuta”.

Segundo Abimael, Grilo trocou as paredes pelas telas e isto foi outro ganho para arte potiguar, com suas obras retratando a Natal antiga com o um colorido característico de sua arte.

Na morte de Pedro Grilo, a governadora Fátima Bezerra se manifestou pelas redes sociais e lamentou a perda.

"Vá em paz grande poeta e artista visual Pedro Grilo. Nosso reconhecimento por todas as contribuições à cultura do RN", escreveu ela.

O secretário de Cultura de Natal, Dácio Galvão, outro bom conhecedor da figura do poeta popular, disse também na reportagem da Tribuna do Norte que “Pedro Grilo fez parte de uma geração de poetas e artistas visuais que durante várias décadas marcaram sua posição no cenário cultural da cidade, fortemente nos anos de 1970”.

E conclui: “Podemos dizer sem medo de errar que a cidade perde um dos seus ícones representativos".

Pedro Grilo Neto morreu deixando mulher e quatro filhos, seu corpo foi sepultado no dia 23 de abril no cemitério de Macaiba. A esposa dele, Francisca de Oliveira, com quem ficou casado mais de 50 anos, morreu há quatro anos. 

REABILITAÇÃO ORAL DE UM GRILO

E para finalizar está homenagem a Pedro Grilo, transcrevo abaixo o texto do cirurgião-dentista e colaborador desse Espaço dos Remidos, o doutor Givaldo Soares, o único dentista a reabilitar oralmente um Grilo, em 2015.

Não é fácil reabilitar um grilo! Não é tarefa comum!

Trata-se de um grilo boêmio, artista e intelectual. Figura humana de grande sensibilidade.

Com seu chapéu gigantesco, tamanho do seu coração, ele é apaixonado pela música popular brasileira e italiana.

Ele é frequentador da Sarauterapia, programa cultural do Conselho Regional de Odontologia, comandado pelo Dr. Rubens Azevedo.

No Sarau, Grilo está em casa: Declama, canta e encanta!

Trabalho na Odontologia há 47 anos e foi a primeira vez que reabilitei um Grilo!

Fazê-lo sorrir foi emocionante!

Givaldo Soares – Cirurgião-dentista, especialista em Prótese Dentária

LUZ BEM ILUMINADA

O ex-presidente do CRO-RN, Eimar Lopes, que conheceu bem Pedro Grilo dos saraus e do Beco da Lama, também se manifestou a respeito de sua partida.

“Falar do querido Pedro Grilo é falar de vida, de autoestima, de alegria. Nunca o encontrei de mau humor ou de "cara feia" a reclamar da vida. Sua participação nos Saraus na sede do CRO-RN era garantida, não perdia em nenhuma hipótese. Figura de extrema importância na cultura e no folclore da Cidade do Natal.

Deixou uma lacuna imensurável em todos os segmentos que militava. Partiu como um passarinho, deixando pelos caminhos por onde pousou um rastro de perfume, de alegria e de boas lembranças.

Fica agora o seu legado e a sua história, restando para nós a saudade e a certeza de um encontro pelos saraus da eternidade. Salve, salve grande Grilo, você foi uma luz bem iluminada aqui na terra. E será mais ainda lá no céu.


Eimar Lopes – cirurgião-dentista, ex-presidente do CRO-RN e ex-secretário Geral do CFO.

CONFRARIA DA AMIZADE

Em 23 de março de 2012, a Confraria da Amizade, da qual os doutores Givaldo Soares e Rubens Azevedo fazem parte, recebeu a visita ilustre do artista plástico, poeta, trovador, cantor, uma “figura muito conhecida do natalense, em virtude da sua apresentação "sui generis", como se observa nas fotos”, escreveu o doutor Rubens para o blog da entidade.

Segundo a notícia do blog, oconvite da visita teve a intenção de proporcionar a apresentação do seu magnífico trabalho constante do álbum cuja capa podemos ver na 1ª foto, intitulada Natal Antiga: Da fundação até 1950.

Grilo na época explicou que sua obra inspirada na sua convivência pelos locais retratados. A sequência de telas começa pela Praia Primitiva, passando pela Planta Primitiva da povoação e continuando por Forte dos Reis Magos, Capela dos Santos Reis, Canto do Mangue, Alagado das Rocas, Lagoa do Jacó, Cais do Porto, Coreto da Praça Augusto Severo, Solar Bela Vista, Avenida Rio Branco (Arborizada...), passando pela Lagoa do Baldo, Praia de Areia Preta, Farol de Mãe Luiza, Praia de Ponta Negra e muito mais...

Assim, esse versátil e festejado artista nos conduz por uma viagem ao passado que, certamente, trará muita nostalgia e saudade àqueles que vivem ou viveram nesses locais.

Vídeo com Pedro Grilo

Para quem gosta de ouvir boas histórias, Pedro Grilo é entrevistado no programa Conversando com Augusto Maranhão, de 2017, quando ela conta um pouco sua vida boêmia e suas fugidas, como aquela que a mulher pediu para ele ir comprar laranjas e voltou para casa quase um mês depois.

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