Gildo Soares: um lutador incansável!
1930: O mundo estava abalado com a crise nos Estados Unidos!
No Brasil, Getúlio Vargas derrubava o governo de Washington Luís.
Lagoa dos Gatos, pequena cidade do interior de Pernambuco, permanecia tranquila e feliz, sem tomar conhecimento das grandes questões nacionais e mundiais.
Meu pai, Antônio Joaquim da Silva, era barbeiro, ganhava a vida em torno de uma cadeira.
Era pobre, feliz e amigo de todos. Quando não estava trabalhando, pescava e caçava. Esses eram seus divertimentos principais.
Minha mãe, Guilhermina Soares, era inteiramente dedicada ao lar, à família. Tinha um profundo amor aos livros e à cultura. Ler era seu divertimento preferido.
Nesse lar nasceram cinco filhos, bem distribuídos pelo tempo de 1927 a 1944, na sequência: Maria do Carmo Soares, Gildo Soares, Neusa Soares, Givaldo Soares e Wilma Soares.
Em 1930, um grande drama ocorreu na família: Gildo Soares nasceu com glaucoma congênito, doença genética grave.
Aos 3 anos, foi levado ao Recife para uma consulta. O médico foi taxativo na comunicação à minha mãe:
- Ele estará totalmente cego entre 7 e 8 anos de idade!
Pediu que cuidasse dele com muito amor. O conselho do médico foi levado ao extremo.
Gildo em casa era inteligente e criativo: Fazia gaiola, empalhava cadeira e fazia carros de brinquedo para seu irmão.
Assim, permaneceu dentro de casa analfabeto até os 24 anos, quando um milagre aconteceu: sua mãe, lendo um livro do Professor paulista do curso primário, Renato Sêneca Fleury, encontrou uma lição sobre os cegos: o sistema de escrita tátil, utilizado por pessoas cegas ou com baixa visão, criado por Louis Braille:
Falava da possibilidade do trabalho, estudo e locomoção deles, assim conquistando sua independência e
cidadania.
Nesse texto o Professor Renato Freury descreveu o alfabeto Braille, então o milagre aconteceu: Minha mãe leu o texto e, no final, estava reproduzido todo o alfabeto.
Gildo, com sua grande inteligência, preparou uma tábua, foi pregando esferas de paquivira, formando seu próprio alfabeto.
No livro do Professor Renato Fleury, tinha os endereços do Instituto dos Cegos de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Minha mãe escreveu para todos eles e foi prontamente atendida.
Gildo aprendeu Braille por correspondência aos 24 anos.
Aos 27 anos, Gildo chegou ao Recife para morar e estudar, no próprio Instituto dos Cegos.
Fez uma brilhante carreira: O básico, o clássico, e depois o vestibular de Serviço Social. Foi professor de música teórica no Instituto, e assumiu o cargo de Assistente Social na Secretaria de Educação de Pernambuco.
Participou de vários congressos no Brasil, recebeu uma homenagem da Associação Brasileira dos Deficientes Visuais, como Braulista do Ano.
O menino pobre de Lagoa dos Gatos, católico praticante, nunca se deixou abater.
Escreveu dois livros: Abrindo Janelas e Sorobã para Todos.
No livro Abrindo Janelas, mostrou sua visão do mundo em pequenas crônicas e, em Sorobã para Todos, os segredos da Matemática, usando o aparelho de cálculo mais velho do mundo: Sorobã, conhecido na China há 4.000 mil anos. No início era conhecido como ábaco. É de baixo custo e de grande duração.
Gildo usou o sorobã durante 40 anos, estimulante do sistema nervoso central pelo raciocínio, pode ser usado por uma pessoa saudável ou deficiente visual.
Meu pai tinha um grande orgulho de Gildo. Quando alguém lhe fazia um elogio, meu pai falava: - Gildo é um homem!
Duas mulheres encantaram a vida de Gildo: sua mãe, Guilhermina Soares – na foto, com o filho dele, Gabriel - e a Professora Severina Nascimento, sua companheira de magistério e de vida em comum.
Na orelha do livro Soroban para todos, sua esposa dedicou a Gildo este belo poema:
Quando o inverno cair sobre tua vida,
Não desespere;
Logo brilhará o sol.
Se o frio invadir o teu corpo,
Não te preocupes;
Logo virá o calor.
Quando as lágrimas banharem o teu rosto,
Espera;
Logo virá um sorriso.
Quando a tristeza dominar a tua alma,
Não desanimes;
Logo virá a alegria.
Se em teu coração se abrir a janela do ódio,
Fecha-a;
Abre a janela do amor,
Capaz de superar toda dificuldade.
Quando te sentires só,
Lembra-te:
Deus estará sempre contigo!
Gildo encantou-se em 9 de abril de 2005, mas deixou no mundo um exemplo que foi a sua própria vida!
Givaldo Soares - Cirurgião-dentista